quinta-feira, 14 de março de 2013

Mitcha o Tiranossauro


Desde o começo dos tempos, Mitcha, o dinossauro sofria de solidão. Conhecia muita gente, muitos dinossauros, muitas cabras, e outros animais, mas nenhum deles preenchia o vazio  que Mitcha sentia no dia-a-dia (não um vazio como o vazio de um senhor rosquinha, mas um vazio.. não palpável, ah, não palpável é óbvio visto que é um vazio, então vamos falar que é subjetivo.. vamos falar não, eu vou falar, você apenas lê).

Mitcha morava numa aldeia movimentada, com muitos outros animais e dinossauros, e embora fosse de uma espécie admirada (tiranossauro rex), não gostava do modo como as pessoas o tratavam: “eles estão sempre sorrindo, fazendo as coisas pra mim, é sempre ‘ai senhor tiranossauro magnífico é claro que podemos providenciar pro senhor’ e blablabla, falsidade do cacete”. Ele namorou uma vez, foi muito bom pra ele e tudo mais, namorou uma zebra, o nome dela era Marcelinha (é muito engraçado que alguns pais colocam o nome da filha de um apelido, né ? Eu conheci um garoto uma vez que o nome dele era Biel, Biel, e não Gabriel, mas o apelido dele virou Gabriel de qualquer jeito) e ela estava sempre feliz e contente falando sobre as festas da floresta e sobre os hobbies dela, que gostava de comer batom e etc, mas nunca sobre alguma outra coisa, como um livro (você reparou que aqui falei que eu como um livro ? Gostei muito disso, não de comer o livro, isso eu só falei, mas essa vírgula..), uma música, uma ideia, ou algo do tipo e isso incomodava profundamente Mitcha. Ele um dia terminou com ela porque viu ela traindo ele com o Bento chimpanzé, que era padeiro da aldeia,  na sua cama (na sua não, leitor, na do personagem principal dessa história). “pelo menos não foi na minha biblioteca”, pensou.. e depois devorou os dois.

Passava os dias pensando, sozinho, tocava um pouco de saxofone aqui (com os bracinhos de tiranossauro), lia um livrinho ali, mas sempre solitário e com esse vazio subjetivo. Muitas vezes ele chorava sem saber porque, olhava pela janela esperando ver alguma coisa que não sabia, mas nada vinha, nada acontecia. Antes costumava jogar futebol com os animais da aldeia, era goleiro do time dos macacos, até tinha disputado uma final de campeonato, mas acabou perdendo pro time das zebras e leões num dia ensolarado de domingo. Mas quando o vazio ficou muito claro e expressivo, Mitcha nunca mais jogou, também nunca mais jogou ping-pong (também com os bracinhos) com seu parceiro rinoceronte Joe, com o qual nunca mais falou desde que sua solidão aguda começou.

Você deve estar se perguntando o resto da história, mas há também uma dúvida interessante que eu não tinha pensado até agora, porque assim, dinossauros vivendo com zebras, elefantes, gnus e tal ? Imagina essa aldeia, você tá numa boa tomando um café quando você vê pela janela um dinossauro, de terno, faminto, comendo uma vaca que estava apenas querendo pagar as contas na lotérica. Um dia normal no supermercado, ai “boa tarde senhor, CPF na nota ?”, “não obrigado”, então o atendente e o cliente se olham e pam ! Um velociraptor comprando uns equipamentos pra casa como cera, rodo e tal, e o atendente, uma capivara, então eles se olham, um minuto de tensão, e tchau capivara, tchau atendente, tchau capivara atendente. Se você teve essa duvida, ou está tendo agora, não pense nisso porque afinal é um buraco difícil de tapar.

Enfim, Mitcha e sua solidão estavam passando um dia pela aldeia, cabisbaixo, quando de repente encontrou uma tiranossaura linda e maravilhosa, tomando sorvete, sentada perto da fonte. Mitcha correu e sentou lá e, sem nem pensar, pois ele não estava controlando seu corpo nem seus pensamentos, deu uma lambida no sorvete da tiranossaura. Eles se fitaram longamente, até que ela falou: “tu é doidé  ?”, Mitcha  achou aquilo muito sincero, e nada fútil, como ninguém jamais fora, e nunca esqueceu aquela belas palavras e aquela voz de taquara rachada. Desde esse momento, seu vazio desapareceu, e após muito tempo de conversa, os dois começaram a namorar, falando sobre coisas profundas, e sobre como é uma coisa boa na aldeia ser tiranossauro porque se alguém faz algo que não se gosta, simplesmente devora-se esse alguém, e riam bastante. Casaram-se de pois, tiveram filhos, e morreram juntos com o fim dessa história.

Jorge Madoz

sábado, 2 de março de 2013

Soneto de uma Salvação

De mal humor, sinto-me taça cheia,
Me vejo errante, distante do amor.
De repente, descrente, bela flor
Para me salvar, só você, sereia.

Anjo do mar, princesa, Deusa minha
Em meio a tanta dor, está sozinha.
Eu prepotente, indeciso. Sou só
A criança que balança ali, ó.

Me afogando nesse mar de lamentos
Sinto uma mão que me puxa, me ajuda,
Me mostra o fim do tolo sofrimento.

Essa mão tão doce, que me segura,
Aponta a direção pro meu rebento
Amor, para meus males, minha cura.

Jorge Madoz

Poema de um presente atordoado

Na vida tudo é questão de costume,
Deve-se acostumar-se.
Mas porque então pedir perdão
Depois de tanto tempo ? Não acostumou-se ?
Após tanto tempo acostumado a dormir no chão
Alguém escolhe se acostumar com o colchão.
É sensatez querer se acostumar com o melhor !
Não é falta de noção.

E se após pedir perdão,
Ouves um sonoro "não!" ?
A semente contida no perdão
Já foi plantada no coração,
Pode apostar.

Jorge Madoz