Desde o começo dos
tempos, Mitcha, o dinossauro sofria de solidão. Conhecia muita gente, muitos
dinossauros, muitas cabras, e outros animais, mas nenhum deles preenchia o
vazio que Mitcha sentia no dia-a-dia
(não um vazio como o vazio de um senhor rosquinha, mas um vazio.. não palpável,
ah, não palpável é óbvio visto que é um vazio, então vamos falar que é subjetivo..
vamos falar não, eu vou falar, você apenas lê).
Mitcha morava numa
aldeia movimentada, com muitos outros animais e dinossauros, e embora fosse de
uma espécie admirada (tiranossauro rex), não gostava do modo como as pessoas o
tratavam: “eles estão sempre sorrindo, fazendo as coisas pra mim, é sempre ‘ai
senhor tiranossauro magnífico é claro que podemos providenciar pro senhor’ e
blablabla, falsidade do cacete”. Ele namorou uma vez, foi muito bom pra ele e
tudo mais, namorou uma zebra, o nome dela era Marcelinha (é muito engraçado que
alguns pais colocam o nome da filha de um apelido, né ? Eu conheci um garoto
uma vez que o nome dele era Biel, Biel, e não Gabriel, mas o apelido dele virou
Gabriel de qualquer jeito) e ela estava sempre feliz e contente falando sobre
as festas da floresta e sobre os hobbies dela, que gostava de comer batom e etc, mas nunca sobre alguma outra
coisa, como um livro (você reparou que aqui falei que eu como um livro ? Gostei
muito disso, não de comer o livro, isso eu só falei, mas essa vírgula..), uma
música, uma ideia, ou algo do tipo e isso incomodava profundamente Mitcha. Ele
um dia terminou com ela porque viu ela traindo ele com o Bento chimpanzé, que era padeiro da aldeia, na sua cama (na sua não, leitor, na do personagem principal dessa história).
“pelo menos não foi na minha biblioteca”, pensou.. e depois devorou os dois.
Passava os dias pensando, sozinho, tocava um pouco de saxofone aqui (com os bracinhos de tiranossauro), lia um livrinho ali, mas sempre solitário e com esse vazio subjetivo. Muitas vezes ele chorava sem saber porque, olhava pela janela esperando ver alguma coisa que não sabia, mas nada vinha, nada acontecia. Antes costumava jogar futebol com os animais da aldeia, era goleiro do time dos macacos, até tinha disputado uma final de campeonato, mas acabou perdendo pro time das zebras e leões num dia ensolarado de domingo. Mas quando o vazio ficou muito claro e expressivo, Mitcha nunca mais jogou, também nunca mais jogou ping-pong (também com os bracinhos) com seu parceiro rinoceronte Joe, com o qual nunca mais falou desde que sua solidão aguda começou.
Você deve estar se
perguntando o resto da história, mas há também uma dúvida interessante que eu
não tinha pensado até agora, porque assim, dinossauros vivendo com zebras,
elefantes, gnus e tal ? Imagina essa aldeia, você tá numa boa tomando um café
quando você vê pela janela um dinossauro, de terno, faminto, comendo uma vaca
que estava apenas querendo pagar as contas na lotérica. Um dia normal no
supermercado, ai “boa tarde senhor, CPF na nota ?”, “não obrigado”, então o
atendente e o cliente se olham e pam ! Um velociraptor comprando uns
equipamentos pra casa como cera, rodo e tal, e o atendente, uma capivara, então
eles se olham, um minuto de tensão, e tchau capivara, tchau atendente, tchau
capivara atendente. Se você teve essa duvida, ou está tendo agora, não pense nisso
porque afinal é um buraco difícil de tapar.
Enfim, Mitcha e sua
solidão estavam passando um dia pela aldeia, cabisbaixo, quando de repente
encontrou uma tiranossaura linda e maravilhosa, tomando sorvete, sentada perto
da fonte. Mitcha correu e sentou lá e, sem nem pensar, pois ele não estava
controlando seu corpo nem seus pensamentos, deu uma lambida no sorvete da
tiranossaura. Eles se fitaram longamente, até que ela falou: “tu é doidé ?”, Mitcha achou aquilo muito sincero, e nada fútil, como
ninguém jamais fora, e nunca esqueceu aquela belas palavras e aquela voz de
taquara rachada. Desde esse momento, seu vazio desapareceu, e após muito tempo
de conversa, os dois começaram a namorar, falando sobre coisas profundas, e
sobre como é uma coisa boa na aldeia ser tiranossauro porque se alguém faz algo
que não se gosta, simplesmente devora-se esse alguém, e riam bastante. Casaram-se de pois, tiveram filhos, e morreram juntos com o fim dessa história.
Jorge Madoz
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